terça-feira, 12 de junho de 2007

Conto um tanto quanto (para esse dia 12)


Anamaria sofria mais do que tudo com aquela situação. Olheiras entregavam as passadas noites insone. Havia também as palpitações, câimbras, falta de fôlego e a gagueira. É, gagueira. Tinha dado para gaguejar depois de moça.

Um fastio de dar dó: nada comia e, ainda assim, nada lhe cabia no estômago. Qualquer sutil tentativa era premiada com... vômito. Depois, unhas quebradas, queda de cabelo. Relutou tanto quanto possível o auxílio hospitalar, até que o impossível chegou. Cedeu então - ''pior do que está não haverá de ficar''.

Colocou a língua para fora. Tossiu. Novamente. Disse trinta e três trinta e três vezes. Colheu sangue. Cafezinho na enfermaria: não, obrigada! Tirou a roupa atrás do trocador - ''o escapulário, por gentileza''. Respirou fundo. Prendeu o ar. Soltou o ar. Outra vez. Voltaria semana que vem.

Quando doutor Onofre entrou no consultório, Anamaria já estava a sua espera - e até mais engraçadinha, com uma fita azul no cabelo. Olhos ligeiros percorrendo envelope por cima de envelope. Um pigarro barítono. Começou assim: muito bem, mocinha... Ela não compreendia uma palavra com clareza, mas balançava a cabeça toda afirmativa. O diagnóstico veio junto com a mão no ombro dela. Que seria dali por diante? Anamaria tinha um amor, não um câncer.

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